Recuperação Judicial – Lições preliminares – Lição V

Lição V – Do Comitê de Credores

De início, é preciso deixar claro que o Comitê de credores não constitui órgão obrigatório da recuperação judicial. Nada obsta, destarte, que o processo se desenvolva até o final sem a sua formação. Aliás, na grande maioria das recuperações processada e em trâmite no país não se tem criado tal órgão. A prática mostrou nesses seis anos de vigência da nova lei, é que não tem havido grande interesse dos credores na formação de comitês1. Ao meu sentir, somente nas recuperações de empresas de grande porte se justifica a criação do Comitê; naquelas pequenas e médias, o órgão me parece desnecessário. Mas, como veremos, a decisão pela sua formação ou não pertence aos credores.

Insta consignar, pois, que a falta do Comitê de credores não tornará nulo o processo de recuperação judicial. Nessa hipótese, as atribuições que a lei lhe confere serão exercidas pelo administrador judicial ou, na incompatibilidade deste, pelo juiz que preside o feito (art. 28 da LRF).

O Comitê é órgão de interesse dos credores e, como tal, somente eles poderão pleitear sua constituição. Vale dizer, o juiz não o fará de ofício. A competência para formação do Comitê é da assembleia geral de credores. Mas para a convocação de assembleia específica para tal fim exige-se quórum mínimo. Segundo o § 2º do art. 52 da LRF, deferido o processamento da recuperação judicial, os credores poderão, a qualquer tempo, requerer a convocação de assembleia geral para a constituição do Comitê de Credores ou a substituição de seus membros, observado o disposto no § 2º do art. 36 desta Lei. Assim, o magistrado somente está obrigado a convocar a assembleia para a criação de Comitê se o pedido foi subscrito por credores titulares de 25% (vinte e cinco por cento) do total dos créditos de qualquer uma das classes: a) trabalhistas; b) com garantia real; c) quirografários; d) qualificados como microempresa ou empresa de pequeno porte.

Mas a assembleia geral convocada para deliberar sobre o plano de recuperação e que o tenha aprovado, poderá indicar os membros do Comitê, ainda que esta matéria não conste da ordem do dia. Ex vi do § 2º do art. 56 da LRF. Neste caso, bastará que qualquer credor presente e com direito a voto suscite a questão, para que o administrador judicial presidente da sessão a coloque em votação.

O Comitê será composto ordinariamente por um representante de cada classe de credores que figura na recuperação judicial, no total de 4 (quatro). Isto é, haverá um representante indicado pela classe de credores trabalhistas; um indicado pela classe de credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais; um representante indicado pela classe de credores quirografários e com privilégios gerais; e outro indicado pela classe dos credores enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte. A cada representante serão também eleitos dois suplentes.

Na escolha dos membros e suplentes cada classe votará separadamente. Por exemplo: para a escolha do representante da classe dos credores trabalhistas, somente estes (trabalhadores) votarão. O mesmo se dará na escolha dos representantes das outras três classes, que serão eleitos pelo voto exclusivo de seus pares. A eleição se dará pela maioria dos presentes na assembleia, não se considerando, porém, as cabeças (o número de pessoas votantes), mais sim o valor dos seus créditos.

No entanto, a lei faculta a instituição de Comitê com número inferior de representantes (§ 1º do art. 26 da LRF). Assim, a recusa de uma ou mais classes na indicação de representante não obsta a formação do órgão. Poderá funcionar com apenas um membro, inclusive. Neste caso, a classe que não elegeu representante na assembleia poderá a qualquer tempo requerer ao juiz a nomeação de um, desde que o pedido esteja subscrito por credores que representem a maioria dos créditos desta classe. Neste caso, a nomeação dar-se-á por ato do juiz, independentemente de convocação de assembleia geral (§ 2º do art. 26 da LRF). Também por esta forma se poderá fazer a substituição do representante ou dos suplentes da respectiva classe.

Formado o Comitê de credores e eleitos seus membros pela assembleia geral, o juiz os nomeará para o cargo. Serão eles então intimados para, em 48 (quarenta e oito) horas, assinar, na sede do juízo, o termo de compromisso de bem e fielmente desempenhar o mister e assumir todas as responsabilidades a ele inerentes (art. 33). Se o representante eleito não comparecer, o juiz nomeara o primeiro suplente. Após assinado o termo por todos os membros, o Comitê se reunirá para escolha do seu presidente. Deveras, caberá aos próprios membros indicar, entre eles, quem irá presidir o Comitê (§ 3º do art. 26 da LRF). Ato que, obviamente, será registrado no livro de atas e comunicado nos autos para conhecimento de todos. Nada obsta, porém, que esta decisão de escolha do presidente se faça já na assembleia geral, mas com voto somente dos representantes eleitos.

Urge consignar que, de regra, qualquer credor poderá integrar o Comitê, uma vez eleito por sua classe na forma acima demonstrada. No entanto, o legislador apontou alguns impedimentos. Assim, nos termo do art. 30 da Lei nº 11.101/2005, não poderá integrar o Comitê quem nos últimos 5(cinco) anos, no exercício do cargo de administrador judicial ou de membro do Comitê em falência ou recuperação judicial anterior, foi destituído. Também está impedido de integrar o comitê quem tiver relação de parentesco ou afinidade até o terceiro grau com o devedor, seus administradores, controladores ou representantes legais ou deles for amigo, inimigo ou dependente. Aqui o legislador cometeu um lapso, já que o grau de parentesco por afinidade se limita ao 2º grau, não havendo se falar em 3º grau por afinidade.

As atribuições do Comitê de credores têm cunho fiscalizatório, tanto das atividades da recuperanda quanto das atividades do administrador judicial. O fato é que na legislação anterior o comissário era escolhido entre os credores. Como isso agora não ocorre, já que o administrador judicial, como vimos, poderá ser qualquer do povo, o legislador procurou por meio da instituição do Comitê franquear um meio aos credores de fiscalizar os atos da recuperação judicial. Suas atribuições estão elencadas no art. 27 da Lei nº 11.101/2005, vejamos in verbis:

Art. 27. O Comitê de Credores terá as seguintes atribuições, além de outras previstas nesta Lei:

I – na recuperação judicial e na falência:

  1. a) fiscalizar as atividades e examinar as contas do administrador judicial;
  2. b) zelar pelo bom andamento do processo e pelo cumprimento da lei;
  3. c) comunicar ao juiz, caso detecte violação dos direitos ou prejuízo aos interesses dos credores;
  4. d) apurar e emitir parecer sobre quaisquer reclamações dos interessados;
  5. e) requerer ao juiz a convocação da assembléia-geral de credores;
  6. f) manifestar-se nas hipóteses previstas nesta Lei;

II – na recuperação judicial:

  1. a) fiscalizar a administração das atividades do devedor, apresentando, a cada 30 (trinta) dias, relatório de sua situação;
  2. b) fiscalizar a execução do plano de recuperação judicial;
  3. c) submeter à autorização do juiz, quando ocorrer o afastamento do devedor nas hipóteses previstas nesta Lei, a alienação de bens do ativo permanente, a constituição de ônus reais e outras garantias, bem como atos de endividamento necessários à continuação da atividade empresarial durante o período que antecede a aprovação do plano de recuperação judicial.

Diversamente do que ocorre com o administrador judicial, os membros do Comitê não serão remunerados pela empresa recuperanda. No entanto, se comprovarem despesas realizadas para a realização de ato previsto na LRF – Lei de Recuperações e Falências, o magistrado presidente do feito poderá determinar o ressarcimento dos valores gastos a expensas da devedora/recuperanda (art. 29).

Suas decisões e deliberações serão registradas em livro de atas, rubricado pelo juiz. As decisões do Comitê serão tomadas por maioria. Havendo, porém, empate, o impasse será resolvido pelo administrador judicial, ou na incompatibilidade deste, pelo juiz presidente do feito.

Pertinente registrar que, nos termos do art. 31 da LRF, o juiz, de ofício ou a requerimento fundado de qualquer interessado, poderá destituir quaisquer dos membros do Comitê de credores, quando verificar desobediência aos preceitos da lei nº 11.101/2005, descumprimento de deveres, omissão, negligência ou prática de ato lesivo às atividades do devedor ou a terceiros. No ato de destituição, o juiz convocará o suplente para recompor o Comitê.

Por derradeiro, urge consignar que os membros do Comitê responderão pelos prejuízos que causar à recuperanda ou aos credores por ato doloso ou culposo. Tratando-se de deliberação colegiada, poderá o membro dissidente registrar em ata sua discordância para eximir-se da responsabilidade. Certamente o conhecimento dos prejuízos e da conduta dolosa ou culposa do representante do comitê se dará em ação própria (ordinária), com observância dos princípios do contraditório e do devido processo legal, sendo competente o juízo da recuperação se ainda não extinto o feito.

 

1 Bezerra Filho, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência. 7ª Ed. rev. São Paulo : Editora Revistas dos Tribunais, 2011

 

Por Dr. J. Leal de Sousa – Juiz de Direito

Aparecida de Goiânia – Goiás, novembro de 2014

Contato: mag.jlsousa@tjgo.jus.br

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